A matéria da Veja (nada a ver com a revista de hoje) sobre a morte de Elis Regina, de 27/01/982, tem trechos muito bons:
– “A cantora Maysa garantia ter a prova de que faltava caráter a Elis: ela a teria induzido a beber numa noite, para derrubar sua apresentação num palco que ocupava em seguida. A acusação seria indiscutível se viesse de um semi-abstêmio como Roberto Carlos. Maysa, porém, dificilmente precisaria ser induzida a mais um copo”.
– “Teve um rápido romance há um ano com o cantor Fábio Júnior e, ao encerrá-lo, fulminou o ex-namorado: “Ele foi como um sorvete, gostoso e rápido, mas brigamos quando eu disse que ele estava com saudade do plim-plim da Globo”.
– “Num único dia da semana passada, a Odeon, gravadora do seu último LP, Elis Regina, recebeu 19 000 pedidos de cópias do disco, que vendera nos últimos dois anos modestas 50 000 unidades.”
– “Metódica, acompanhava atentamente a educação dos filhos, a arrumação dos copos, e era capaz de irritar-se se as suas meias coloridas fossem arrumadas fora da escala cromática que pacientemente concebera.”
– “De Elis Regina ficou a voz, exatamente o que esse complexo ser humano tinha de melhor.”
– “Antes da divulgação do laudo, no início da noite de quarta-feira, o diretor do IML, o polêmico legista Harry Shibata, telefonara para um amigo , o diretor do DOPS, Romeu Tuma, com uma dúvida. “Só me restam, a esta altura, duas hipóteses”, expôs Shibata. “Ou foi barbitúrico ou então a ingestão de cocaína com álcool, por via oral, que provocaram a morte. Você sabe me dizer se alguém toma cocaína diluída em líqüido?”
– “a lei manda que ela seja esclarecida por todos os meios, a começar pela autópsia, e acobertar o assunto o beneficia, em última análise, ao traficante que vendeu a Elis as drogas que a mataram.”
– “Seu velório estava enfeitado com uma constelação de astros de cinema, televisão, música e dança, como Lennie Dale, que foi preso em fevereiro de 1971, no Rio, com um enorme pacote de maconha.”
– “Os jornais da Globo dedicaram a Elis uma quantidade extras só comparável às da morte do presidente Annuar Sadat e do atentado contra o papa João Paulo II.”
– “A cocaína surgiu na sua viagem, aos EUA no início de 1981 para acertar a gravação de um disco com o saxofonista Wayne Shorter. Antes disso, ela consumia cerveja e vodca.”
– “Pelo menos um dos ex-namorados de Elis, o compositor paulista Guilherme Arantes, 28 anos, viu-a cheirando cocaína, durante o tempo em que andaram juntos no começo de 1981, no Rio de Janeiro.”
– “É possível, porém, que Elis jamais tenha sido viciada, nessa droga. Sua relação com a cocaína, provavelmente, insere-se no mesmo tipo em que estão alguns milhares de brasileiros, a maioria deles fora do meio artístico, ou intelectual – e que buscam nesta droga potente um socorro eventual.”
– “A melhor explicação, e a única capaz do desembocar num copo onde se misturam álcool e cocaína às 10 horas da manhã, está numa competitividade exacerbada.”
– “Arthur Conan Doyle encontrou no pó alguns dos complexos estratagemas vividos polo seu personagem Sherlock Holmes. Mas se o escritor usava a cocaína para divagar, outro consumidor, o papa Leão XIII, se valia dela como uma ajuda temporal para resolver os assuntos da Igreja.”
e os melhores trechos:
– “a cocaína, com sua ação sobre o córtex cerebral, difere das drogas popularizadas na década do 60, que se poderiam chamar de produtos do “esquerda”. Ela é essencialmente da “direita”: é a droga de quem não quer novidades, mas apenas poder. A cocaína faz do preguiçoso um prodígio de energia, do tímido um audaz, do lento um rápido, mas, na essência, não traz nenhuma idéia.”
– “a cocaína não entrou no quarto de dormir do Elis pela porta do modismo, mas precisamente pelo pique, pela sustentação que dá ao competitivo, pela segurança fugaz que oferece aos tensos. Nesse sentido, o próprio pó é a quintessência do caretismo.”